O dólar abaixo de R$ 5 veio para ficar?
Moeda americana chegou a ser negociada abaixo de R$ 4,90 com expectativa de fim da alta de juros nos EUA e arcabouço fiscal e inflação menor no Brasil
O dólar caiu nesta quinta-feira (13/4) pelo terceiro dia consecutivo, chegando a ser negociado abaixo de R$ 4,90.
Abaixo dos R$ 5, a moeda americana é negociada aos menores valores desde meados de 2022.
Isso é positivo pois o câmbio tem impacto sobre a inflação, já que muitos dos produtos e insumos da economia brasileira – do trigo do pãozinho, ao petróleo que afeta o preço dos combustíveis – são importados ou precificados em dólar.
Mas esse é um movimento passageiro ou ele veio para ficar? Perguntamos a três economistas.
Por que o dólar caiu abaixo de R$ 5?
Os analistas apontam uma combinação de fatores externos e internos que levaram à valorização do real e desvalorização da moeda americana.
Para Silvio Campos Neto, economista da Tendências Consultoria, um primeiro fator externo é a perspectiva de fim da alta de juros nos EUA.
“Esse sentimento se intensificou com a crise bancária em meados de março e com uma sequência de dados mais fracos da economia americana, culminando na quarta-feira com o CPI [taxa de inflação dos EUA] em uma tendência de desaceleração”, diz Campos Neto – que não tem parentesco com o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto.
Isso afeta o câmbio porque juros mais altos nos EUA atraem capital ao país, valorizando a moeda americana. Assim, o fim da alta favorece as moedas de países emergentes.
Segundo Rachel de Sá, economista-chefe da Rico Investimentos, um segundo fator externo é uma redução da aversão ao risco após a crise bancária que afetou Silicon Valley Bank (SVB), Signature Bank e Credit Suisse.
“Quando uma crise assim acontece, todo mundo foge de investimentos de risco, porque não sabe o que vai acontecer “, explica Rachel.
“O dólar se fortalece em momentos de aversão ao risco, mesmo quando o risco vem dos EUA. Mas, agora, há uma percepção de que essa crise não vai se tornar sistêmica, porque os reguladores agiram rápido e não houve quebradeira.”
Um terceiro fator externo, segundo a economista, é a recuperação da China, que impulsiona o preço das commodities brasileiras e, consequentemente, a entrada de dólares no país.
“É uma questão de oferta e demanda: se tem mais moeda estrangeira, ela vale menos”, diz a economista da Rico.
No terreno doméstico, os economistas apontam o arcabouço fiscal – conjunto de regras apresentado pelo ministro da Fazenda, Fernando Haddad, para limitar o gasto público – como principal fator para o fortalecimento da moeda brasileira.
“De forma geral, ainda que tenha problemas, o arcabouço veio melhor do que se imaginava”, diz Silvio Campos Neto.
“Havia muito temor em relação a um risco de descontrole de gastos e, consequentemente, um descontrole de dívida pública. Do lado positivo, o arcabouço trouxe de fato um mecanismo de limitação de despesas, que era a grande preocupação e a grande dúvida”, completa.
Pelas regras do arcabouço fiscal, a despesa do governo ficaria limitada a 70% da expansão da receita e a uma banda de crescimento que varia de 0,6% a 2,5%, para evitar queda abrupta em caso de contração da receita, ou gasto exagerado, na situação oposta.
A proposta agora precisa passar pelo Congresso, onde poderá sofrer alterações.
Segundo Sérgio Machado, sócio gestor da NCH Capital, um segundo fator doméstico foi a inflação no Brasil menor do que o esperado em março – em 12 meses, na passagem de fevereiro para março, o IPCA caiu de 5,6% para 4,65%, ficando abaixo do teto da meta (5%).
“Passamos a ter à frente uma visão mais benéfica da inflação e o Banco Central tem uma propensão marginal a baixar a taxa de juros”, diz Machado, explicando que isso melhora o ambiente macro ao reduzir a temperatura do embate entre governo e autoridade monetária.
Enquanto isso não acontece, a taxa de juros elevada no Brasil é um último fator interno que explica a valorização do real frente ao dólar – embora esse não seja um elemento novo.
“Nossas taxas de juros reais [descontadas da inflação] estão entre as maiores do mundo, então há um atrativo para os investidores, de vir para o Brasil para se beneficiar desses juros”, diz Machado.
“Esse ano, há um fluxo positivo [de entrada de capital estrangeiro no Brasil] quase todas as semanas, então teve uma entrada constante de dólar que ajudou a valorizar o real.”
E o dólar abaixo de R$ 5 veio para ficar?
Existe uma piada recorrente no mercado financeiro que diz que “Deus criou a taxa de câmbio para tornar os economistas mais humildes”.
Isso porque, segundo eles, a relação entre moedas é uma das variáveis mais difíceis de prever, já que ela é afetada por uma série de outros fatores, como o saldo das contas externas, o diferencial de juros, o cenário político e o risco fiscal, além do cenário externo e eventuais movimentos de aversão ao risco – quando investidores buscam aportes mais seguros.
Mesmo com essa imprevisibilidade, os economistas por ora têm mantido suas apostas num dólar acima de R$ 5 no final do ano. Justamente, devido às incertezas.
A Tendências Consultoria mantém sua expectativa para o dólar no fim de 2023 em R$ 5,25.
“Lá fora ainda não está claro se o Fed [banco central americano] realmente vai ter espaço para reduzir juros tão cedo. E aqui, o arcabouço tem um lado positivo, mas ainda tem toda a tramitação no Congresso, e ainda há muito ruído na relação entre governo e Banco Central”, enumera Silvio Campos Neto.
Além destes riscos, ele cita ainda a possível mudança da meta de inflação, a nomeação do futuro presidente do BC em 2024, a política de preços da Petrobras e a atuação do BNDES, como fatores de atenção para o real brasileiro.
Rachel de Sá, da Rico Investimentos, mantém sua projeção de câmbio para o fim do ano em R$ 5,30.
“Ainda tem muito risco no ar: o arcabouço ainda nem foi apresentado ao Congresso, não sabemos o que tem exatamente dentro da regra, as taxas de juros nos EUA ainda não começaram a cair e ainda não há dados concretos sobre a economia da China. Então tem muita água para rolar”, pondera.
Fonte: BBC News