Jair Bolsonaro manda suspender dinheiro do orçamento secreto após Lula fechar apoio a Lira
Presidente ordena que governo não pague mais emendas do relator; Congresso reage e prepara manobras para liberar verbas e negociar recursos com Lula
O presidente Jair Bolsonaro (PL) mandou suspender o pagamento das emendas do orçamento secreto após seus aliados no Congresso fecharem alianças com o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A ordem no Palácio do Planalto é não pagar mais nada neste ano. Na prática, a medida deixa o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), sem capacidade de honrar os acordos feitos para bancar sua reeleição ao comando da Casa – além de empurrar para Lula o ônus de ter que manter o esquema de toma lá, dá cá que condenou na campanha se não quiser azedar sua relação com o Legislativo.
A canetada de Bolsonaro ocorre um dia depois de o PT se aproximar de Lira anunciando apoio à sua recondução no comando da Câmara. O partido do presidente eleito também deve apoiar a reeleição de Rodrigo Pacheco (PSD-MG) no Senado. Os dois foram eleitos para o comando das Casas legislativas com o apoio de Bolsonaro e operam a distribuição do orçamento secreto.
Revelado pelo Estadão, o esquema foi criado por Bolsonaro e repassou ao relator do orçamento a decisão sobre qual deputado ou senador poderia decidir o que fazer com bilhões de reais (dinheiro dos impostos). Até mesmo pessoas sem mandato foram contempladas. O relator do orçamento é indicado pelos presidentes da Câmara e do Senado, que, na prática, coloca na mão de três políticos a operação do dinheiro público. Só recebe quem votar de acordo com eles. E, como revelou o jornal, recursos foram distribuídos sem critérios técnicos e abasteceram prefeituras de aliados que compraram de tratores a caminhões de lixo sem necessidade e a preços superfaturados.
Dos R$ 16,5 bilhões reservados para o orçamento secreto neste ano, R$ 7,8 bilhões não foram liberados e estão bloqueados pelo governo federal. Líderes do Congresso agiam para destravar os recursos e pressionavam o Palácio do Planalto, mas foram pegos de surpresa por dois atos assinados por Bolsonaro nesta quarta-feira, 30, aos quais o Estadão teve acesso.
O presidente mandou suspender o pagamento do orçamento secreto com o argumento que faltam recursos para outras áreas com os sucessivos bloqueios que o governo precisou fazer para cumprir o teto de gastos, a regra que atrela o crescimento das despesas à inflação.
Bolsonaro assinou duas medidas nesta quarta-feira, 30, para efetivar a decisão. Primeiro, enviou uma proposta ao Congresso para secar a fonte do orçamento secreto ao remanejar as verbas para outras áreas. Depois, editou um decreto autorizando a equipe do governo a fazer os cancelamentos em uma área e acrescentar em outra.
O projeto de lei tira os recursos do orçamento secreto e coloca a verba em despesas obrigatórias, entre elas o pagamento do salário de servidores públicos. Essa proposta depende de aprovação do Congresso e deixaria os parlamentares sem as emendas. O governo não divulgou os valores da movimentação, mas pode “secar” toda a fonte das emendas.
“Se eles trocarem para despesa primária (obrigatória), encerrou, acabou , não tem mais o que discutir, aí não tem nem o que gastar e expectativa vai toda embora”, afirmou o relator-geral do Orçamento de 2022, deputado Hugo Leal (PSD-RJ). “Não tem fundamento nenhum, não sei com quem eles combinaram isso. É completamente estapafúrdio.”
A assessoria do presidente da Câmara afirmou que a decisão do governo está relacionada com questões orçamentárias, e não com a relação dele com o futuro governo. “A assessoria de imprensa do presidente Arthur Lira afirma que o fato não procede e que o Congresso sempre vai manter sua autonomia. Em relação à presidência, sua relação sempre foi e continuará sendo republicana.”
o presidente da Câmara dos Deputados Athur Lira tem dito que ficará “independente” em relação ao novo governo, não fazendo oposição nem tendo alinhamento automático ao Palácio do Planalto.
O Congresso quer agora usar a Proposta de Emenda à Constituição (PEC) da Transição, apresentada pela equipe de Lula para liberar recursos, com o objetivo de forçar o governo Bolsonaro a bancar o orçamento secreto no fechamento do ano. As verbas são tratadas como prioritárias para abastecer as campanhas de Lira e Pacheco no comando do Legislativo. Além disso, o Centrão articula alterar a PEC para incluir uma regra que tornam as emendas secretas impositivas, o que obrigaria o Executivo a fazer os pagamentos e blindaria os repasses de cortes.
Imbatível
O controle do orçamento secreto garantiu a Arthur Lira apoio para se reeleger ao comando da Câmara no biênio 2023-2024. A três meses da disputa, ele já conseguiu o apoio de 14 dos 28 partidos políticos com representantes no Congresso, algo inédito na disputa por essa cadeira, das mais variadas correntes. A defesa da manutenção do orçamento secreto é a principal plataforma de campanha de Lira para seguir no cargo. Nos dois anos de orçamento secreto, o Congresso pode decidir o destino de R$ 33 bilhões.
Na campanha, Lula condenou a prática que classificou de “usurpação do poder” e prometeu revê-la. A candidata do MDB, Simone Tebet, que se aliou ao petista disse na ocasião que o orçamento secreto é “o maior processo de institucionalização da corrupção no Brasil”. Após a eleição, Lula não comentou mais sobre o esquema e os petistas aceitaram apoiar Lira que tem o orçamento secreto como sua principal promessa.
Já Bolsonaro disse na época da eleição que ele não poderia fazer nada sobre o orçamento secreto porque apenas o Congresso poderia tratar do tema quando, na verdade, quem libera o dinheiro é o poder Executivo.
Com informações do Estadão