Institutos de pesquisas devem rever perguntas e metodologias para evitar novos erros, dizem especialistas
Levantamentos de intenção de voto destoaram dos resultado das urnas no domingo (2) por, entre outros, não conseguir captar voto na direita; líder do governo na Câmara quer punir institutos
Dificuldades em mensurar o voto envergonhado, falhas em perguntas e nas metodologias são apontados por especialistas como possíveis explicações para as divergências observadas no primeiro turno entre os resultados das urnas e as projeções de intenção de voto realizadas por institutos de pesquisas.
No caso da disputa pela Presidência, Luiz Inácio Lula da Silva (PT) recebeu 48,43% dos votos válidos neste domingo (2), contra 43,20% do presidente Jair Bolsonaro (PL), com 99,99% das urnas apuradas.
A distância entre os dois candidatos foi de 5,23 pontos percentuais. As pesquisas Datafolha, Ipec e Ipespe projetavam uma diferença de cerca de 14 pontos entre os candidatos. Nenhum instituto acertou o resultado, e os maiores contrastes ocorreram nos votos dados a Bolsonaro.
De acordo com o cientista político Adriano Oliveira, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), a variável de intenção de voto não tem conseguido capturar o desejo dos eleitores nas urnas. Segundo ele, as pesquisas são importantes, “mas é necessário que os institutos de pesquisas, e aqui me incluo, passem a verificar a capacidade da variável intenção”, diz.
Ele diz ser necessário que os institutos “assumam os equívocos”. “Não adianta ficarmos trazendo explicações teóricas: voto envergonhado, mudança faltando 48h para as eleições. Pesquisa é retrato do momento”, afirma.
Segundo ele, os institutos precisam trazer novas perguntas, qualificar metodologia e discutir os equívocos para apresentar dados mais próximos da realidade.
Voto envergonhado
Andrei Roman, CEO da Atlas Intel, destaca que o voto útil interferiu na discrepância entre os resultados das urnas e as pesquisas.
Segundo ele, diante da polarização, os eleitores da terceira via migraram, na última hora, para Bolsonaro, movimento que chegou a ser capturado nas últimas pesquisas. No entanto, o derretimento de Ciro Gomes (PDT) e Simone Tebet (MDB) foi ainda maior do que o medido.
“Na medida em que os eleitores entenderam que simplesmente ia ser essa polarização entre Lula e Bolsonaro no segundo turno, eles quiseram antecipar de alguma maneira o voto no candidato que eles rejeitam menos para evitar um ‘mal maior’. Basicamente, deram um voto de confiança para que Bolsonaro ou Lula pudesse sair mais fortalecido na margem desse primeiro turno”, diz.
Adriano Oliveira, da UFPE, acrescenta que o eleitor de Ciro que declarava que a segunda opção era Lula rumou, na reta final, para Bolsonaro. “Talvez a ‘bolsonarização’ do discurso de Ciro não tenha beneficiado o Lula”, diz.
Para Roman, há outro fenômeno importante: o “voto envergonhado”, que acontece quando as pessoas são abordadas por um entrevistador na rua ou mesmo por telefone e a interação humana faz com que algumas não declarem efetivamente sua real intenção de voto.
Ele cita um estudo da empresa Futura que mostrou que, quando homens são entrevistados por outros homens, as intenções de voto em Bolsonaro ficam 10 pontos percentuais acima em comparação com o resultado obtido quando homens são entrevistados por mulheres.
“Isso deixa muito claro o efeito de interação social entre o entrevistado e a figura do entrevistador”, diz o CEO da Atlas.
Roman pontua que esse tipo de viés, porém, não existe na pesquisa da Atlas, que coleta entrevistas via internet.
Projeto para punir institutos
Diante desse cenário, o líder do governo na Câmara, deputado Ricardo Barros (PP-PR), disse que irá propor um Projeto de Lei para criminalizar institutos de pesquisa que divulgarem levantamentos que sejam diferentes do resultado das urnas — considerando a margem de erro estipulada pela própria entidade.
“O meu projeto de lei propõe que pesquisa publicada na véspera da eleição, que tenha diferença na urna maior do que a margem de erro, é crime — será punido com cadeia e multa”, afirmou, em entrevista à CNN nesta segunda-feira (3).
Para o parlamentar, os institutos devem “dar um jeito” para acertar a pesquisa e não depender do Censo. “Quem quer fazer pesquisa precisa ter matéria prima para isso”, afirmou.
A falta do Censo atualizado é uma das justificativas apontadas pelos pesquisadores para explicar a distância de votos de Bolsonaro e Lula. Segundo Andrei Roman, da Atlas, a população mais pobre tem sido superestimada nas amostragens, o que favorece o candidato do PT.
“Se você superestima a população mais pobre do Brasil em 70 pontos percentuais, de 35 para acima de 55, inevitavelmente você vai subestimar o desempenho do Bolsonaro e me parece que isso está muito bem comprovado”, explica.
Pesquisas divergiram das urnas nos estados
O cientista político Renato Dolci diz que, especificamente no Sudeste, há aspectos “menos metodológicos” que as pesquisas não vêm captando nos últimos pleitos. Ele observa que a maior surpresa ocorreu em São Paulo, onde houve inversão na ordem de candidatos e não apenas imprecisão de percentuais.
“No geral, as pesquisas acertaram mais no Nordeste do que no Sudeste. Existe uma onda conservadora no Sudeste que os institutos não conseguiram pegar”, pontua.
Em São Paulo, com 100% das urnas apuradas, Tarcísio de Freitas (Republicanos) recebeu 42,32% dos votos; Fernando Haddad (PT), 35,70%. Já o atual governador, Rodrigo Garcia (PSDB), ficou com 18,4%.
Pesquisa Datafolha para o governo de São Paulo divulgada no sábado (1º) mostrava Haddad à frente, com 39% dos votos válidos, seguido por Tarcísio, com 31%, e Rodrigo Garcia, com 23%. O levantamento tinha margem de dois pontos percentuais.
No Rio de Janeiro, o governador Cláudio Castro (PL) foi reeleito no primeiro turno das eleições, com 58,66% dos votos válidos; na sequência apareceu Marcelo Freixo (PSB), com 28%. Os números levam em conta 99,96% das urnas apuradas.
Pesquisa Globo/Ipec para o governo do Rio de Janeiro mostrava o governador Castro à frente, com 47% dos votos válidos. Marcelo Freixo (PSB) estava com 28%. Mais uma vez, a margem de erro era de dois pontos percentuais.
Já nos estados do Nordeste, a maior surpresa se deu na Bahia. Jerônimo Rodrigues (PT) ficou próximo de vencer já no primeiro turno, com 49,45%. ACM Neto (União Brasil) recebeu 40,80%. Os percentuais são relativos a 100% das urnas apuradas.
Em 1º de outubro, o Ipec apontava 40% das intenções de votos válidos para Jerônimo, e o Datafolha, 38%. Os dois institutos indicavam 51% das intenções para ACM Neto – ambos com dois pontos percentuais de margem de erro.
Nos estados, os resultados para o Senado também apresentaram contrastes entre o que apontavam as pesquisas. Dolci explica que as imprecisões para esse cargo são mais recorrentes.
“No Senado, sempre é mais difícil acertar. Existe uma granularidade maior e muitos eleitores acabam decidindo de última hora. De fato, os institutos erraram muito para esse cargo”, comenta.
Com informações da Agência Reuters.