Tanques de guerra podem ficar obsoletos após fragilidades vistas na Ucrânia
Putin imaginou que seus tanques esmagariam Kiev, mas, em vez disso, eles foram forçados a bater em retirada.
Exércitos em ataque precisam de maneiras para avançar. Também precisam proteger os soldados durante o avanço. E, de maneira mais importante, precisam de poder de fogo para perfurar defesas em seu caminho, provocando caos na retaguarda do inimigo. Os tanques combinam essas três capacidades em um único instrumento. Por essa razão, qualquer exército relevante faz uso desses veículos. Hoje existem mais de 70 mil tanques no mundo.
Ainda assim, desde que o primeiro tanque foi acionado em campo de guerra, na Batalha do Somme, em 1916, o futuro do veículo sempre esteve em dúvida. Na Batalha de Cambrai, um ano depois, cerca de 400 tanques britânicos romperam as defesas alemãs e penetraram 8 quilômetros em seu território tão rapidamente que os atacantes, impressionados, não estavam preparados para explorar o sucesso.
Gradualmente, os exércitos aprenderam o que fazer. Em maio de 1940, a Wehrmacht acionou tanques que fatiaram as Adernas a caminho da França, em sincronia com infantaria e força aérea, em uma ação que ficou conhecida como blitzkrieg.
A quantidade de tanques em atividade, porém, declinou após a Guerra Fria e atualmente o ceticismo em relação ao futuro dos veículos é grande. Críticos argumentam que os tanques são pesados, caros e inadequados para a guerra moderna. Os Fuzileiros Navais dos EUA afirmaram que se livrarão de todos os tanques que possuem para colocar o foco em preparações para combater na China e no Pacífico.
Muitos exércitos europeus cortaram suas frotas quase totalmente após a Guerra Fria. O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, declarou que o antigo conceito de combater em enormes batalhas com tanques em território europeu “acabou”, mesmo quando as forças russas se concentravam nas fronteiras da Ucrânia.
Ucrânia
A guerra turbinou essa crítica. A Rússia avança lentamente no leste da Ucrânia graças a sua vantagem em artilharia. Mas se trata de uma campanha arrastada, em vez de uma manobra audaciosa com blindados. A Rússia perdeu pelo menos 774 tanques desde que invadiu a Ucrânia, segundo o blog Oryx, que analisa registros da guerra.
Isso significa que a Rússia perdeu um quarto de seu inventário estimado antes da guerra, de quase 3 mil tanques. Vladimir Putin imaginou que seus tanques esmagariam Kiev, mas, em vez disso, eles foram forçados a bater em retirada.
As batalhas dos últimos três meses sublinharam duas ameaças para veículos blindados. Uma delas é o míssil antitanque guiado (ATGM). O poder de destruição desse armamento é evidente desde a Guerra do Yom Kippur, de 1973, quando os ATGMs Sagger do Exército egípcio, de fabricação soviética, aniquilaram os tanques israelenses.
Um memorando escrito pelo Exército americano depois da guerra constatou que os mísseis Sagger, se não fossem impedidos, tinham 60% de chance de atingir tanques M60 a distâncias de até 3,2 quilômetros.
Os mísseis eram guiados por um cabo de comando que se desenrolava à medida que o projétil percorria seu trajeto. Aos mísseis de hoje, incluindo os Javelins americanos e os projéteis dos sistemas NLAW de curto alcance, de fabricação britânico-sueca, basta “disparar e esquecer”. Eles são impulsionados por motores a combustão e usam sensores magnéticos ou óticos para prever onde o tanque estará segundo sua movimentação. Tão importante quanto, os AGTMs modernos atingem os pontos mais fracos das blindagens. Em seu modo de “ataque pelo alto”, os Javelins fazem um arco no céu e mergulham no alvo.
Drones
A segunda ameaça são os drones armados, que oferecem uma maneira barata e simples de realizar ataques aéreos. Nos anos recentes, os TB2, de fabricação turca, destruíram grande quantidade de blindados na Líbia, na Síria, em Nagorno-Karabakh e agora na Ucrânia, usando bombas guiadas a laser.
A Ucrânia também está usando alternativas que variam entre equipamentos básicos (quadricópteros armados com granadas antitanque da era soviética) e avançados. Um exemplo de última geração são os Switchblades, de fabricação americana, drones-camicaze que explodem ao se chocar com os alvos, conhecidos como munições prontas para o uso. A Ucrânia começou a empregá-los no início de maio.
Mas seria um equívoco escrever o obituário dos tanques com base em seu desempenho em guerra, precisamente porque a Rússia usou-os de maneira inadequada.
Mas o fracasso da Rússia em eliminar as defesas antiaéreas ucranianas nos primeiros dias da guerra significa que suas aeronaves não são capazes de patrulhar os céus, o que dá mais liberdade de operação aos TB2. Enquanto isso, as defesas antiaéreas russas, projetadas para detectar aeronaves maiores, parecem ter dificuldade para deter os pequenos drones, apesar de terem melhorado seu desempenho em relação a isso nas semanas recentes.
Forças armadas modernas prezam a ideia da guerra de armas combinadas, na qual os vários elementos da formação militar compensam fraquezas um do outro. Tanques podem abrir caminho para infantaria, mas somente a infantaria é capaz de atacar uma rede de túneis para desenterrar esquadrões inimigos armados com mísseis antitanque. Aviões militares podem dar cobertura para o avanço de tanques e infantaria, mas precisam que defesas antiaéreas no solo mantenham aeronaves inimigas afastadas.
Ben Barry, ex-comandante de um batalhão de infantaria blindada do Reino Unido, que atua agora no IISS, um instituto de análise, classificou essa estratégia como “uma versão mortífera de joquempô”.
No caótico primeiro mês de sua campanha militar, algumas unidades russas vaguearam pelo campo de batalha sem apoio aéreo. Tanques russos combateram isoladamente em relação a unidades de reconhecimento que abrissem caminho à frente ou infantaria avançando a pé para repelir esquadrões antitanque em campos rurais ou áreas urbanas.
Essas táticas de proteção “existem desde a época em que os egípcios atacaram os israelenses pela primeira vez”, afirma BS Dhanoa, general aposentado que no passado comandava uma brigada blindada indiana. Apenas recentemente os russos começaram a usar artilharia de maneira metódica para castigar posições ucranianas no caminho de seus ataques terrestres.
Proteção
Dave Johnson, do instituto de análise Rand, dos EUA, observou que nos Exércitos americano e israelense tornou-se uma prática comum após a Guerra do Yom Kippur direcionar fogo de artilharia contra localizações em que soldados armados com ATGMs pudessem estar se escondendo. Isso força o inimigo a se proteger, tornando mais difícil que ele mantenha tanques na mira. Tanques também são carregados com morteiros, que lançam projéteis pequenos e bombas de gás que ocultam sua movimentação.
Em Brovari, um subúrbio de Kiev, imagens capturadas por drones em de março mostram uma coluna densamente concentrada de blindados russos encaminhando-se para uma emboscada. Os comandantes em campo não foram os únicos culpados. Uma razão para o fracasso inicial do avanço russo contra Kiev foi que o apoio de artilharia ficou empacado atrás do congestionamento das colunas – o que ocorreu em função de um erro de planejamento.
Conforme coloca Wilf Owen, editor da <CF742>Military Strategy Magazine</CF> e especialista em guerra blindada: “Se o Exército russo tivesse praticado algum tipo de treinamento decente, não veríamos nada nesse nível em termos de derrotas.”
Certos problemas também decorrem dos projetos dos tanques russos. A decisão soviética de usar canhões automáticos foi uma escolha de projeto justificável na época em que foi tomada, mas criou “cascas de ovo com martelos”, afirma o tenente-general Sean MacFarland, ex-comandante da 1.ª Divisão Blindada dos EUA.
“Quase todos os conflitos que envolveram tanques da era soviética, dos T-64 adiante, demonstraram a vulnerabilidade desses projetos em relação a ataques aéreos e por flancos”, escrevem Sam Cranny-Evans e Sidharth Kaushal, analistas do Royal United Services Institute, de Londres.
Vantagens
Tanques russos mais novos são projetados de maneira diferente. O T-14 Armata, seu modelo mais moderno, mantém o canhão automático, mas protege sabiamente os tripulantes em um compartimento blindado. Os Armatas também possuem outra vantagem: um sistema de proteção ativa (APS), que usa radar para detectar projéteis em sua direção e realiza disparos para impedi-los.
Tudo isso seria boa notícia para as desafortunadas tripulações de tanques russos não fosse pelo fato de os Armatas ainda estarem em fase de teste e não serem vistos no campo de batalha. E a produção de Armatas não é grande; em maio, na parada do Dia da Vitória, em Moscou, apenas dois foram exibidos.
Na longa disputa entre os tanques e seus algozes, as forças antitanques parecem levar vantagem. Mas vulnerabilidade não é o mesmo que obsolescência. Exércitos precisam de um instrumento capaz de se movimentar com velocidade, penetrar nas linhas inimigas, abrir caminho para infantaria e destruir blindados do inimigo.
Se os tanques não cumprirem essa função, outro equipamento terá de fazê-lo. Essa alternativa, por sua vez, se tornará alvo das mesmas tecnologias e táticas. “Se as pessoas quiserem afirmar que os tanques morreram, então todos os tipos de veículos blindados de combate terão morrido pelas mesmas razões”, afirma Owen. “Porque se os tanques não estiveram lá para servir de alvo para os ATGMs, os ATGMs serão usados contra qualquer outro tipo de veículo.”
Mas os tanques estão cada vez mais caros. Seus valores já se aproximam das vultosas quantias gastas em modernos caças de combate. Um tanque de último modelo pode custar até US$ 20 milhões, afirma Owen. Um F-35A, caça de combate de última geração, fica em torno de US$ 80 milhões, apesar das estimativas variarem.
Uma razão para essa inflação são os crescentes gastos para produzir blindagens cada vez mais poderosas para proteger os tanques. Os APSs contribuem para o problema. Além disso, operar um veículo pesado pode custar até US$ 500 por quilômetro rodado, nota Owen. Uma frota grande requer suporte dedicado, de fornecimentos de equipamentos a caminhões de combustível.
Alguns países continuarão a empilhar blindagem, resultando em tanques mais pesados porém mais resistentes, capazes de absorver ataques mais intensos. Mas muitos outros, provavelmente, optarão por veículos mais leves e baratos – talvez mais vulneráveis a Javelins e Switchblades, mas acessíveis em grandes quantidades.
E, da mesma maneira que aviões de sexta geração tendem a se tornar naves-mãe de enxames de drones, os tanques tendem a se tornar naves-mãe de veículos terrestres autônomos capazes de avançar adiante e desempenhar outras tarefas. Os tanques não morrerão. Em vez disso, evoluirão.
*Com informações The Economist / Tradução de Guilherme Russo / via Estadão